É um axioma nos estudos contemporâneos sobre paisagem, dentre o surgimento de outras possibilidades interpretativas, o que segue se estabelecendo tanto no oriente quanto no ocidente, funda-se sob o domínio imagético. Dito de outra maneira, isto significa que afirmar que a paisagem revela em parte uma ordem estrutural que se firma sob o signo da imagem. O conjunto de pensares nessa direção nos provocam a afirmar mais: imagens são operações mentais consubstanciadas a partir de uma perspectiva fenomenológica que diz respeito a sensibilidades geradoras da própria experiência estética. Imagens são concepções culturais forjadas a partir da relação estética que se constrói com o outro, em um diálogo coletivo em meio aos elementos que habitam os nossos cotidianos.
Dentro deste processo transitivo da construção das imagens estipulado pelo diálogo entre sujeito e objeto, sua composição implica em vincular e desvincular o visível e sua significação (RANCIÈRE, 2012, p. 13). Aprofundando um pouco mais esta relação, surgem outras questões e o desejo de penetrar nesse raciocínio me leva a questionar: Seria a imagem uma exclusividade do visível? Haveria um visível que não produz imagens? (Idem).
Com essas dúvidas reveladas e o desejo instalado para se refletir sobre elas, alinho tais questões, inicialmente, a relação do visível com a imagem e como ela pode se desdobrar em múltiplas possibilidades, nas quais algumas, suscitam regimes de representação, onde o “lugar do olhar” (GOMES, 2013) e sua posição no espaço definem e delineiam o que se convencionou chamar de “regimes de visibilidade” (LUSSAULT, 2007, p. 217). Na alusão a tal preposto, esclareço que se trata de um diálogo plural entre as partes e o todo, firmados a partir do jogo de poder construído com base nas semelhanças e dessemelhanças, associações e dissociações, exibição e ocultação do visível e o invisível. Entre cada uma dessas camadas, entre aqueles que participam e se movimentam, há aquelas que criam mecanismos, trajetórias e processos onde é possível se firmar negociações, cujo resultados tendem a gerar modos ativos e dinâmicos entre os seres humanos e o que está estabelecido e representado na paisagem: as imagens. Elas animam nossa persuasão e aguçam percepções. As imagens e suas formas, cores, mensagens, dimensões, texturas e sonoridades imputam ao mais incauto observador ações e afetos.
Diante dessa perspectiva, o regime de visibilidade nos posiciona no interior da esfera estética. Ela faz o observador, em meio a paisagem, assumir um estado de apreciação que recai preponderantemente sobre o visual e mais, tende a forçar os sentidos a lidar com a noção do visível e também do real? Todavia, instala-se uma questão, talvez, não exatamente evidente. Se a paisagem é da ordem da imagem e por isso possui uma ênfase no que é visível, seria ela somente representação de algo? Produto mental de sensibilidades estéticas? Ou haveria algo na paisagem para além daquilo que ela representa?
A aproximação aqui trazida não está em si na visibilidade da paisagem e seu estatuto. A questão posta desliza sobre o estatuto atribuído ao visível, sua função e significação (BESSE, 2014, p. 65). Tal proposição lança a questão para um território ainda mais avançado: O que de fato tratar? Do visível ou do olhar? Seria esse dialogismo o caminho possível e menos íngreme para explora esse campo epistemilógico? Há um visível, paisagem, havendo ou não um olhar? (Idem). Ou seja, há algo que se dá a ver, no exterior, no que diz respeito ao seu aspecto material ou é somente o espectador é que vê algo, no interior da sua subjetividade? Assim, o estatuto do visível inaugura uma tensão sobre a noção de paisagem, onde a vinculação com o algo que é visto pode lhe conferir um duplo aspecto: há a constituição de um olhar subjetivo, logo uma representação ou algo que se dá a ver, logo que revela?
Servindo-me de Merleau Ponty, a paisagem sempre esteve no coração do pensamento e suscita uma exteriorização, uma saída de si. Ela exprime. O que quer dizer que não é unicamente uma representação (Idem). Sob este ponto de vista, a paisagem não é algo apenas que se (re) apresenta, mas encaminha-se para uma apresentação de algo que exprime uma face exterior, uma presença ou uma forma não-representacional também. Um contorno em forças exposta por meio de uma fisionomia que exige uma materialidade/realidade. Este aspecto material da paisagem permite que ela possa ser um objeto de estudo não apenas da esfera estética, própria do domínio das Artes, mas também que se estenda para outras disciplinas de cunho materialista como a Arqueologia, Geografia, Paisagismo, Arquitetura entre outras. Entendido sob o aspecto pragmático destas áreas acima mencionada, a paisagem não é exclusivamente uma vista, mas é antes um território ou um sítio (Idem). Paisagem também é uma forma.
Questionar o estatuto do visível nos provoca a refletir sobre a noção que o constitui e nos conduz a um reposicionamento sobre o que vemos e o que nos olha, sobre o que há para ver e o que se dá a ver. Nos sugere, ainda que sob uma abordagem estética, portanto fenomenológica, que precisamos da suspensão do juízo para nos apoderarmos do fenômeno. Já na outra perspectiva de cunho mais materialista, o visível não apenas representa algo, mas o apresenta, ou seja, exibe algo, uma potência em possibilidades. Dentro do que cabe esta hipótese, o visível não é apenas uma vista, ele é também forma, matéria, sítio ou país. Só se vê aquilo que constitui parte do repertório cultural de imagens de uma cultura ou indivíduo.
Só se imagina aquilo que faz parte do elenco de formas atualizadas. Desta maneira, o modo como construímos o visual e a imagem da paisagem relacionam-se com o mundo atualizado da matéria o tempo todo. Ainda que o conceito de paisagem seja da ordem do pensamento e da imagem, esta propositura nos convida a refletir sobre a mesma não unicamente como uma vista ou uma representação, mas antes uma materialidade, um território ou país, portanto uma presença.
Imbuídos dos questionamentos acima mencionados a mesa proposta: a paisagem como cultura material e suas possibilidades de suportes incumbe-se de trazer ao público interessado sobre o tema abordagens que atendam tanto os aspectos imagéticos da paisagem quanto os aspectos materiais sob os quais ela assume sua forma.
Melhor dizendo, os convidados apresentarão estudos geográficos que lidam com a paisagem considerando sua dupla figura: material e imaterial. Suas pesquisas, apesar de ainda em desenvolvimento, exibem questionamentos relevantes tanto de ordem interpretativo-textual quanto de ordem (re) materialista sobre a paisagem. Estudos re-materialistas na Geografia cumprem também o objetivo de atualizam a aproximação com os estudos arqueológicos e estreitar ainda mais antigos laços epistemológicos compartilhados entre ambas disciplinas, cujos objetos se debruçam na solidificação da cultura sobre o espaço.
Christiane Chagas Martins
Objetivos
A proposição desta mesa se insere no desejo solidário de compartilhar, junto aos alunos de graduação em Arqueologia da UERJ, algumas discussões sobre a ideia de paisagem que vêm sendo desenvolvidas por alguns alunos vinculados à linha de pesquisa “Cultura e Natureza”, do curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGEO-UERJ). O intuito é promover a circulação de conhecimentos relativos à ideia de paisagem e, dessa forma, estreitar vínculo humanista entre essas duas ciências que possuem inúmeras convergências epistemológicas. Além disso, pretendemos estimular os alunos de graduação a se interessarem por temas desenvolvidos pela Geografia Cultural e que estes possam lhes servir como uma maneira de despertar
Na tentativa de agregar ao debate arqueológico a noção de paisagem geográfica, apresentando outras possibilidades de estudos paisagísticos aplicados a partir de diferentes suportes, para além daquele que está unicamente inscrito sobre o solo. Com larga experiência a respeito do assunto, a Geografia tem na paisagem um dos conceitos fundantes da disciplina e sobre ele os geógrafos têm se debruçado em profundas reflexões. Compartilhar estas ponderações geográficas com a Arqueologia pode vir a contribuir para a ampliação e amplificação da perspectiva arqueológica sobre possibilidades de desdobramento do objeto paisagem.
Programação
Horário | Mesa-Redonda |
14:00 | ABERTURA |
14;15-14:45 | Christiane Chagas Martins Um jardim para além do paraíso: Geografia Cultural e Arqueologia da Paisagem no Passeio Público do Rio de Janeiro |
14:45-15:15 | Thiago Silvestre da Silva | O dinheiro e as geografias imaginadas de nação: um estudo sobre a (re) produção visual de paisagens, personagens e tipos étnicos – regionais em cédulas do Brasil (1986-1993). |
15:15- 15:45 | Sheila Regina Alves Carvalho. Lugares machadianos na cidade do Rio de Janeiro. |
15:45-16:20 | MEDIAÇÃO E DEBATE Paulo Seda |
Local | Data
Quinta-feira, 31 de Outubro de 2019
Local: RAV 9º andar | Horário: 14:00 -16:00
Pesquisadores
Christiane Chagas Martins | Arqueóloga e Mestranda em Geografia no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGEO-UERJ), Especialista em Restauração e conservação de Bens Imóveis - SENAI e Pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas, GPPH-EBA-UFRJ. |
Paulo Seda | Historiador(Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Mestre em História e Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é Diretor Presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas e Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Idealizador e Coordenador do Projeto de Pesquisas Arqueológicas Serra do Cabral - MG. Co-coordena o Núcleo de Estudos das Américas (NUCLEAS), responsável pelo LEPAmA - Laboratório de Estudos e Pesquisas da América Antiga. Até 2011 integrou o Instituto de Arqueologia Brasileira, onde foi Pesquisador Chefe, Diretor de Pesquisas e Vice-Presidente. |
Sheila Regina Alves Carvalho | Geógrafa (bacharel e licenciada pela Universidade Federal Fluminense), Mestranda em Geografia no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGEO-UERJ), Especialista em Políticas territoriais no Estado do Rio de Janeiro (PPGEO-UERJ) com o trabalho “Rua do Ouvidor em um fragmento machadiano” |
Thiago Silvestre da Silva |Geógrafo (Bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Mestrando em Geografia no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGEO-UERJ), Pesquisador colaborador do grupo de pesquisa Território, Ciência e Nação vinculado ao Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). |
Créditos
Organização
Christiane Chagas Martins | PPGG-UERJ
Realização
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Tecnologia e Ciências | Instituto de Geografia
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Linha de Pesquisa: Natureza e Cultura
Apoio
Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas | GPPH-EBA/UFRJ
Bacharel em Arqueologia pela UNESA, Licenciatura Plena em História, Especialista em Restauro e Conservação de Bens Patrimoniais Imóveis, Mestra do curso de Pós-Graduação em Geografia, PPGEO/UERJ, Doutoranda em Arqueologia pelo Museu Nacional/PPGARq/UFRJ. Desenvolve pesquisa sobre a forma-jardim como forma simbólica espacial, versando sobre os séculos XVIII, XIX e XX na cidade do Rio de Janeiro/Brasil.
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