DOSSIÊ AUPABA PINDORAMA – CHAMADA DE ARTIGOS PARA REVISTA PAISAGENS HÍBRIDAS VOL. 4. Nº 3/2024

Organizadoras: Profa. Dra. Carla Freitas P. Pereira | Profa. Dra.Ondina Pena Pereira

PROPOSTA DO DOSSIÊ

Nesta edição da Revista Paisagens Híbridas lançamos o desafio de imaginar formas diversas de definir/descrever o jardim, desde que sejam pensadas a partir do Sul, rompendo, assim, com a definição clássica que nos chega do Norte. Desta maneira, buscamos o jardim como agenciamento de conectividades abertas como teias de relação equânime entre humanos e não humanos, ao invés de agarrá-lo em uma visão que o faz interior a uma paisagem instituída. Neste sentido, propomos a construção de reflexões que apontem saídas em relação à ideia do jardim para além do projeto colonial eurocêntrico de ordenação da natureza segundo princípios ideais do “belo” que vai de Platão a Kant (BENJAMIN, 2017). Colocando a ideia de jardim como fonte de inspiração para a conectividade entre grupos, coisas e seres, ao invés de agarrá-lo em uma visão que o faz interior a uma paisagem.

Trata-se de romper com a ideia de que nos organizamos com os ares do norte, estabelecendo que o vetor Norte-Sul global não é a única direção para as possibilidades criadoras, restando ao sul a reprodução (ROLNIK, 2018). Ao contrário, é a partir do Sul que as criações são expropriadas. O Sul cria, suas criações fluem para o norte onde são retrabalhadas segundo o modelo colonial, e devolvidas ao sul como produtos originais. Essa inversão de fluxos foi pensada pela socióloga boliviana Silvia Cusicanqui, ao perceber que os contatos entre o Norte e o Sul na colonização não se constituíram em um tipo de expropriação apenas de material bruto, mas de todas as matérias primas, incluindo aí as ideias, e que se distribuíram segundo o mesmo modelo ganancioso de usurpação. Os fluxos partem sempre daqui, do Sul (CUSICANQUI, 2015).

A cultura ocidentalizada é atravessada pelas ideias capitalistas que, em sua fase de acumulação primitiva, precisou transformar em propriedade privadas as terras comunais (FEDERICI, 2017) para produzir na sequência a ideia de jardim, um hortus conclusus (JACKOB, 2009), uma delimitação que nomeia quem terá direito de usufruir ou não do contato com a natureza. Nas Américas foram implantadas essas lógicas que se não expulsaram, mataram populações originárias, como antes na própria Europa já havia acontecido. Não existia aqui a ideia de jardim fechado, mas ao contrário de natureza como território que dá suporte material a realização da vida (KRENAK, 2019).

Eis o motivo pelo qual Baudrillard (PEREIRA, 2014) colocou como condição para realizar sua crítica à modernidade europeia a possibilidade de conhecer o Sul e falar a partir daí. Sem esse conhecimento, há uma cegueira em relação à Europa. Talvez por isso também Oswald de Andrade (ANDRADE, 1928) considerou possível o canibalismo das ideias, indo ao Norte devorando-as e depois regurgitando-as, ou seja, fazendo o caminho inverso.

Buscamos produzir fissuras no conceito de jardim que aprisiona seres (humanos e inumanos) em territórios estáticos, fixos e rígidos (DELEUZE; GUATTARI, 2012b). O plano consiste em nos percebermos como seres viventes e, enquanto tais agenciadores de mundos, permitindo que florestas nos habitem. Assim, a ideia de desterritorializar nos termos que propõe Deleuze e Guatari , abandonando o familiar para permitir a entrada em devir novos mundos (DELEUZE; GUATTARI, 2012a), é também a ideia de tornar-se criador. Abrirmo-nos para o radicalmente novo, em fluxo constante, movimento.

Motivadas por essas reflexões convidamos pesquisadoras e pesquisadores a propor diálogos descolonizadores dos nossos territórios.

Aquarelas: Detalhes da Série Cerrado, Carla Freitas, 2023.


Genealogía de paisajes híbridos “Aupaba Pindorama*”

En esta edición de Revista Paisagens Híbridas lanzamos el desafío de imaginar diferentes formas de definir/describir el jardín, siempre y cuando sean pensadas desde el Sur, rompiendo así con la definición clásica que nos llega desde el Norte. De esta manera, buscamos el jardín como una agencia de conectividad
abierta como redes de relaciones iguales entre humanos y no humanos, en lugar de captarlo en una visión que lo haga interior a un paisaje establecido. En este sentido, proponemos la construcción de reflexiones que señalen soluciones en relación con la idea de jardín más allá del proyecto colonial eurocéntrico de ordenar la naturaleza según principios ideales de “bello” que van desde Platón hasta Kant (BENJAMIN, 2017). Situar la idea del jardín como fuente de inspiración para la conectividad entre grupos, cosas y seres, en lugar de mantenerlo dentro de una visión que lo haga interior a un paisaje
.

Se trata de romper con la idea de que nos organizamos con aires del norte, estableciendo que el vector global Norte-Sur no es la única dirección de las posibilidades creativas, quedando la reproducción hacia el sur (ROLNIK, 2018). Al contrario, es desde el Sur de donde se expropian las creaciones. El Sur crea, sus creaciones fluyen hacia el Norte, donde son reelaboradas según el modelo colonial y devueltas al Sur como productos originales. Esta inversión de flujos fue pensada por la socióloga boliviana Silvia Cusicanqui, cuando se dio cuenta de que los contactos entre el Norte y el Sur durante la colonización no constituían un tipo de expropiación sólo de la materia prima, sino de todas las materias primas, incluidas las ideas y las ideas. que fueron distribuidas según el mismo modelo codicioso de usurpación. Los flujos siempre parten de aquí, del Sur (CUSICANQUI, 2015).

La cultura occidentalizada está permeada por ideas capitalistas que, en su fase de acumulación primitiva, necesitaron transformar las tierras comunales en propiedad privada (FEDERICI, 2017) para producir posteriormente la idea de un jardín, un hortus conclusus (JACKOB, 2009), una delimitación que nomina quiénes tendrán derecho a disfrutar o no del contacto con la naturaleza. Estas lógicas se implementaron en América y, si no las expulsaron, mataron a las poblaciones originarias, como ya había sucedido en la propia Europa. Aquí no existía la idea de un jardín cerrado, sino de la naturaleza como un territorio que brinda soporte material para la realización de la vida (KRENAK, 2019).

Es por eso que Baudrillard (PEREIRA, 2014) puso la posibilidad de conocer el Sur y hablar desde allí como condición para llevar a cabo su crítica a la modernidad europea. Sin este conocimiento, hay ceguera hacia Europa. Quizás por eso también Oswald de Andrade (ANDRADE DE, 1928) consideró posible el canibalismo de las ideas, yendo al Norte devorándolas y luego regurgitándolas, es decir, tomando el camino inverso.

Buscamos producir fisuras en el concepto de jardín que aprisiona a los seres (humanos e inhumanos) en territorios estáticos, fijos y rígidos (DELEUZE; GUATTARI, 2012b). El plan consiste en percibirnos como seres vivos y, como agentes de mundos, dejar que los bosques nos habiten. Así, la idea de desterritorializar en los términos propuestos por Deleuze y Guattari, abandonar lo familiar para permitir el devenir de nuevos mundos (DELEUZE; GUATTARI, 2012a), es también la idea de convertirse en creador. Abrirnos al movimiento radicalmente nuevo y en constante cambio. Motivados por estas reflexiones, invitamos a investigadores a proponer diálogos descolonizadores en nuestros territorios.

*Aupaba Pindorama: Tierra de origen Pindorama


Aupaba Pindorama* genealogy of hybrid landscapes

In this edition of Revista Paisagens Híbridas, we launch the challenge of imagining different ways of defining/describing the garden, as long as they are thought of from the South, thus breaking with the classic definition that comes to us from the North. In this way, we seek the garden as an agency of open connectivity webs of equal relationships between humans and non-humans, instead of grasping it in a vision that makes it interior to an established landscape. In this sense, we propose the construction of reflections that point out solutions to the idea of the garden beyondthe Eurocentric colonial project of ordering nature according to ideal principles of “beautiful” that range from Plato to Kant (BENJAMIN, 2017). Placing the idea of the garden as a source of inspiration for connectivity between groups, things and beings,instead of holding it within a vision that makes it interior to a landscape.

It is about breaking with the idea that we organize ourselves with the airs of the north, establishing that the global North-South vector is not the only direction for creative possibilities, with reproduction remaining to the south (ROLNIK, 2018). On the contrary, it is from the South that creations are expropriated. The South creates, and its creations flow to the North where they are reworked according to the colonial model and returned to the South as original products. This inversion of flows was thought of by the Bolivian sociologist Silvia Cusicanqui when she realized that the contacts between the North and the South during colonization did not constitute a type of expropriation just of raw material, but of all raw materials, including ideas, and which were distributed according to the same greedy model of usurpation. The flows always start from here, from the South (CUSICANQUI, 2015).

Westernized culture is permeated by capitalist ideas which, in its phase of primitive accumulation, needed to transform communal lands into private property (FEDERICI, 2017) to subsequently produce the idea of a garden, a hortus conclusus (JACKOB, 2009), a delimitation which nominates who will have the right to enjoy or not enjoy contact with nature. These logics were implemented in the Americas and, if they did not expel them, they killed original populations, as had already happened in Europe itself. There was no idea of a closed garden here, but rather of nature as a territory that provides material support for the
realization of life (KRENAK, 2019).

This is why Baudrillard (PEREIRA, 2014) placed the possibility of getting to know the South and speaking from there as a condition for carrying out his critique of European modernity. Without this knowledge, there is blindness towards Europe. Perhaps this is also why Oswald de Andrade (ANDRADE DE, 1928) considered the cannibalism of ideas possible, going to the North devouring them and then regurgitating them, that is, taking the opposite path.

We seek to produce fissures in the concept of a garden that imprisons beings (human and inhuman) in static, fixed and rigid territories (DELEUZE; GUATTARI,
2012b). The plan consists of perceiving ourselves as living beings and, as agents of worlds, allowing forests to inhabit us. Thus, the idea of deterritorializing in the terms proposed by Deleuze and Guattari, abandoning the familiar to allow new worlds to become (DELEUZE; GUATTARI, 2012a), is also the idea of becoming a creator. Opening ourselves to the radically new, in constant flux, movement. Motivated by these reflections, we invite researchers to propose decolonizing dialogues in our territories.

*Aupada: Land of origin Pindorama

DATAS

A data limite de envio dos artigos é 31 de Julho de 2024.

Envio do texto para o email: revistapaisagenshibridas@gmail.com

Para obter acesso as normas e formato do texto acessar: https://revistas.ufrj.br/index.php/ph/about/submissions

REFERÊNCIAS

ANDRADE DE, O. Manifesto Antropofago In: Revista de Antropologia, I, 1928.
BENJAMIN, W. Estética e sociologia da arte. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. 978858217861-4.
CUSICANQUI, S. R. Sociología de la imagen: ensayos.  Tinta Limón. Buenos Aires, 2015.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs - V.4. 2ª, São Paulo: Editora 34, 2012a. p. 200-200
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs V.3. São Paulo: Editora 34, 2012b. 144-144 p. 978-85-7326-017-5.
FEDERICI, S. Calibã e a bruxa. Mulheres, corpos e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. 460-460 p. 978-85-93115-03-5.
JACKOB, M. Il Paesaggio. Bologna, Italia: Il Mulino, 2009. 
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2019.
PEREIRA, O. P. As aparências importam: Morte, Poesia e Feminismo em Baudrillard. Jundiaí, SP: Paco , 2014. p. 180-180 
ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada.  São Paulo: N-1 Edições, 2018. p. 208-208.

Publicações Paisagens Híbridas