Projeto de Pesquisa

Estudar o espaço cemiterial, a partir do desenho da paisagem, considerando aspectos paisagístico (projeto) e artístico presentes em seu cotidiano. Tal relação historicamente estabelecida oferece um campo ampliado para explorar processos e fenômenos que se instituem neste espaço ritualístico. O objeto de estudo conecta-se ao conceito de cemitério e amplia para relações entre paisagem, paisagismo e arte que aliás, materializa-se para além dos artefatos tradicionalmente presentes nos cemitérios, revelando por exemplo manifestações contemporâneas como Land Art e Site specific

Palavras-chave: cemitério, paisagem, morte, paisagismo

O Projeto

Na obra de Lewis Munford, A cidade na história, suas origens, transformações e perspectivas, o autor relembra que desde a gênese da cidade a ideia da morte é algo presente. Neste sentido, Munford propõe que a cidade dos vivos é decorrência da cidade dos mortos ao observar que, os mortos foram os primeiros a ter uma morada, um espaço, onde o grupo os enterrava e para onde, provavelmente, os vivos retornavam a intervalos regulares (MUNFORD, 2002).

As primeiras manifestações comprovadas do homo sapiens com relação a morte precedem o surgimento das cidades e, por esse mesmo motivo, nos instiga a averiguar essa questão urbana de caráter aparentemente fundamental e contraditório: a cidade como palco da vida e da morte. Diante disso, pode-se afirmar que o teor fúnebre que assombra e fascina o homem urbano moderno, certamente não é o mesmo que transpira nas Pirâmides de Gizeh, porém, as semelhanças são maiores do que à primeira vista possa parecer. Dentro dessa perspectiva, talvez estejamos mais próximos dos antigos egípcios do que imaginamos.

A cidade contemporânea continua a conviver com a morte, contudo, restrita à locais cerimoniais ou difundida de modo espetacular pelos meios de comunicação de massa. Na prática, todos esses elementos oferecem à sociedade inúmeros parâmetros para ler e interpretar a cidade. A morte e suas representações inscritas ao cemitério, possui a capacidade de produzir questionamentos valiosos sobre fenômenos que a ele estão inscritos. Por esse motivo, ao optarmos por essa temática, desejamos incentivar um debate conceitual, capaz de contribuir com novas ideias diante do universo que se abre para esse tema tão instigante.

Neste sentido, nosso objeto de estudo está diretamente ligado ao conceito de cemitério stricto sensu, porém, ele se amplia e se espraia para um contexto que envolve a arte paisagística e a própria Arte Visual, clássica e contemporânea que aliás, segue além dos artefatos cemiteriais que tradicionalmente estão presentes nesses espaços e, se revela em manifestações contemporâneas como Land Art e Site specific

Rigorosamente a paisagem cemiterial inspira do expectador um sentimento de contrição, uma atitude de culto in memorian diante daqueles que ali encontraram a última morada para o seu corpo físico. Tal prerrogativa cognitiva se revela sobretudo pelo desenho que aquela paisagem impõe aos sentidos dos que percorrerem suas avenidas, alamedas e travessas, visitam suas capelas, túmulos, jazigos familiares, contemplam as esculturas, os jardins, as aleias de um arvoredo profuso, os bosques de silêncio ou até mesmo, o mato que cresce ao acaso entre caminhos e túmulos  ou assistem aos atos cerimoniais de sepultamento onde a dor, o choro, a perda, a memória, o luto são vivenciados na sua mais profunda dimensão. Os sujeitos que encenam a trágica cena da passagem entre a vida e a morte, que será vivenciada por cada um de nós sem a possibilidade de negociação, inventam uma atmosfera cotidiana muito peculiar a esta pequena cidadela de mortos e de vivos que por sua vez, solicita daqueles que estudam o tema do cemitério e da morte, um olhar atento aos processos e fenômenos materiais e imateriais presentes neste espaço.

OBJETIVOS

Na perspectiva do projeto, nosso objetivo tem quatro ações distintas:

Traçar um panorama histórico do cemitério no ocidente, através de uma leitura baseada no campo epistemológico dos estudos da paisagem e da arte, o que por si só, envolve um olhar distinto para a cultura material que constitui a paisagem cemiterial, em particular, no que tange a sua seus espaços e seu simbolismo;

Estudar as referências sobre o cemitério e a arte cemiterial que nele se materializam, sob o ponto de vista paisagístico (projeto de paisagismo) buscando assim, revisitar projetos de referência no Brasil e no exterior, sejam esses espaços cemitérios centenários ou contemporâneos.

Levantar cemitérios no Brasil que possuem acervo paisagístico de real relevância no que diz respeito ao desenho da arquitetura de sua paisagem. Para tanto serão considerados elementos como a morfologia e a tipologia do espaço físico a partir do projeto do cemitério. A partir da observação do seu desenho e da presença de jardins, da arquitetura funerária de capelas, de túmulos e de jazigos, assim como, a arte fúnebre representada pelas esculturas, afrescos, pintura mural, fotos e o mobiliário próprio do cemitério.  E por fim, ações artísticas contemporâneas de Land Art e site specific que nas últimas décadas encontraram nesses espaços fúnebres um campo fértil, uma dimensão original e uma possibilidade instigante para a manifestação de trabalhos de artistas e de coletivos

Registrar através de fotos feitas in loco nos cemitérios selecionados para a pesquisa e gerar um Catálogo sobre o cotidiano vivido nos cemitérios, seja a partir do desenho da paisagem do cemitério e dos objetos inanimados, como também daqueles que circulam no universo cemiterial, a exemplo dos funcionários da burocracia, dos coveiros, dos agentes funerários ou mesmo dos vendedores de flores ou ainda, através dos curiosos que tem como hábito seguir processões fúnebres.

BASE TEÓRICA

Para analisar a trajetória dos espaços ritualísticos que irão compor o projeto, nossa fundamentação teórica será composta por um elenco de autores e de obras que possuem reconhecimento acadêmico sobre esse tema. Alguns dos autores a serem utilizados são clássicos como Philipe Ariès em sua obra O homem diante da morte (1977), Lewis Munford, A cidade na história (1961), Sigmund Freud, Luto e melancolia (1936), Johan Huizinga, Outono na Idade Média (2010) e Yi-fu Tuan, Paisagens do medo (1979); e o português J.M. Simões Ferreira em sua celebre obra Arquitetura para a Morte – a questão cemiterial e seus reflexos na teoria da Arquitetura (2009) publicado pela Fundação Calouste Gulbeikian. Outros são trabalhos recentes, como os de Louis Lavelle e sua obra O mal e o sofrimento (2011) e Michele Federido Sciacca, morte e mortalidade (2014) de matiz filosófica.

Incorporarão as bases teóricas desta pesquisa trabalhos mais recentes, como os produzidos por Renato Cymbalista, Cidade dos vivos – Arquitetura e atitudes perante a morte e os cemitérios do Estado de São Paulo, Tadu da Morte de José Carlos Rodrigues (2006),  Henrique Sergio de Araujo Batista, Jardim regado com lagrimas de saudade (2009),  Avesso da Paisagem: representações da morte no ambiente urbano coletânea de ensaios organizados por Rubens de Andrade e Carlos Terra (no prelo) e cronistas como  Roland Barthes, Diario de Luto (2009) e Roberto da Matta, Crônicas da vida e da morte (2009).  Além de trabalhar com estes reconhecidos autores acima citados, também serão realizadas conexões a textos relacionados ao campo da arte contemporânea e da teologia.

RESULTADOS

Os produtos da pesquisa se desdobrarão em quatro eixos distintos:

ACESSO DA PESQUISA PELO PÚBLICO: Os resultados da pesquisas irão ser disponibilizados através da internet estruturados em um link do projeto Cemitérios: Lugares de dor, de luto e de memórias paisagísticas no site www.paisagenshibridas.com.br. O responsável pelo projeto também coordena o Grupo de Pesquisa Paisagens Híbridas certificado pelo CNPq e UFRJ;

CATÁLOGO: Será publicado um catálogo digital de Arte fúnebre e manifestações contemporâneas no cemitério, que será o resultado dos registros fotográficos realizados em cemitérios do Rio de Janeiro e em outras cidades do Brasil;

LIVRO: A publicação do livro Culto fúnebre, a morte e o luto… e suas representações os jardins cemiteriais, que constará dos resultados de pesquisas realizadas em instituições como Biblioteca Nacional, IHGB, Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, entre outros;

CURTA-METRAGEM: Jardins e arte no cotidiano dos cemitérios cariocas, será um curta-metragem (25’) inscrito aos desdobramentos relativos ao levantamento in loco, como também material iconográfico e bibliográfico obtido na pesquisa.

PLANO DE TR ABALHO

FASE I

Leitura crítica da bibliografia seleciona pela dar o estofo teórico ao projeto pelos bolsistaPesquisa em instituições públicas e privadas no Rio de Janeiro, entre elas:

IPHAN Biblioteca NacionalInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro

Arquivo NacionalArquivo da CidadeCúria da Cidade do Rio de Janeiro

Clube de Engenharia

Levantamento in loco de cemitérios selecionados pelo projeto (registros fotográficos e visitas técnicas para apreensão da arquitetura da paisagem cemiterial)

Entrevistas – Montagem de roteiro, seleção de grupos a serem entrevistados, e realização das entrevistas;

Fase II

Montagem de relatórios
Escrita de textos que comporão a publicação
Organização do Catálogo digital sobre Arte fúnebre e manifestações contemporânea no cemitério

FASE III

Edição e montagem do Curta Jardins e arte no cotidiano dos cemitérios cariocas

Finalização do Projeto

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Rubens; TERRA, Carlos (Orgs). Avesso da Paisagem: representações da morte no ambiente urbano. Rio de Janeiro: RIOBOOKS, Paisagens Hibridas, 2016 (no prelo)
ARIÈS, Philipe. O homem diante da morte. São Paulo:Unesp,1977.
BARTHES, Roland Diario de Luto. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BATISTA, Henrique Sergio de Araujo. Jardim regado com lagrimas de saudade. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009.
CYMBALISTA, Renato Cidade dos vivos – Arquitetura e atitudes perante a morte e os cemitérios do Estado de São Paulo. São Paulo: Anablume, 2001.
FERREIRA, J.M. Simões. Arquitetura para a Morte – a questão cemiterial e seus reflexos na teoria da Arquitetura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbeikian, 2009.
FREUD, Sigmund Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
HUIZINGA, Johan, Outono na Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
LAVELLE, Louis. O mal e o sofrimento. São Paulo: É realizações, 2011
MATTA, Roberto da, Crônicas da vida e da morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
MUNFORD, Lewis, A cidade na história. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
RODRIGUES, José Carlos Tadu da Morte. Rio de Janeiro: FioCruz,2011.
SCIACCA, Michele Federido. Morte e mortalidade. São Paulo: É realizações, 2014.
TUAN, Yi-fu Paisagens do medo. São Paulo: Unesp, 1979.

Publicações Paisagens Híbridas