CURSO DE PAISAGISMO – EBA/UFRJ


Disciplina: História do Paisagismo no Brasil | BAH310 | 45h (teórica) 
Segunda-feira: 14h00-17h00
Prof. Rubens de Andrade

O CURSO

É fundamental a compreensão de que a paisagem é uma construção cultural, resultado da interação entre a sociedade e o meio ambiente, carregada de significado e simbolismo. O paisagismo, por sua vez, é um campo disciplinar amplo que além de buscar compreender as dimensões biofísicas do ambiente, atua como um instrumento moderador que contribui de forma consciente e planejada na transformação e criação de espaços que, por sua vez, possam ser percebidos, sentidos e apreciados como paisagem projetada.

A longo de sua história, a sociedade produziu técnicas, construiu conceitos e com eles teorias que provocaram aproximações e mudanças profundas no ambiente natural, seja a partir de ideologias ou mais diretamente de ações práticas. O historiador KeIth Thomas, por exemplo, em sua obra O homem e o mundo natural (1983), apresenta uma discussão interessante sobre como a sociedede compreendia a natureza. Ele destaca que, em fins do século XVIII, o apreço pela natureza, e particularmente pela natureza selvagem, se convertera numa espécie de ato religioso. A natureza não era só bela; ela era moralmente benéfica (THOMAS, 2010, 368).

Por outro lado, Robert Sayre e Michael Löwy em seu livro Anticapitalismo romântico e natureza: o jardim encantado (2021), apresentam uma perspectiva política atual e instigante que além de potencializar paralelos às abordagens apresentadas por Keith Thomas traça uma análise vigorosa. Os autores, além de apresentarem um panorama relevante de pensadores que ao longo dos séculos XIX e XX interpretaram as contradições, tensões e utopias firmadas entre sociedade e natureza, também exploram a convivência entre a visão rebelde de um romantismo contrário ao modernismo e as preocupações ecológicas favorecidas pelas inúmeras ameaças que o meio ambiente sofre na atualidade. Os autores discutem pautas sensíveis a essa questão ao reforçar a percepção romântica que marca algumas correntes mais radicais do movimento ecológico: “ecologia profunda”, ecofeminismo, primitivismo ecológico e ecosocialismo (SAYRE; LÖWY, 2021, p. 191), ou seja, analisam ideologias que, no tempo contemporâneo, fortalecem o apreço pela natureza. Tal perspectiva, em certa medida, alinha-se aos referenciais sinalizados por Keith Thomas. E a aproximação em si mostra-se significativa pois revela, historicamente, movimentos de grupos sociais ocupados com o resgate de práticas comprometidas com o equilibrio do ambiente construído.

Os marcadores, acima apresentados, apontam para recortes temporais distintos que associados, reafirmam a relevância e a necessidade para os estudos da paisagem a partir do aporte histórico. Nesse sentido, a pesquisas histórica revela-se como um elemento essencial à disciplina de paisagismo pois se torna um instrumento central para compreender as características que marcam a construção do ambiente, as formas como se deu esse processo a partir dos embates, tensões, avanços e retrocessos da relação sociedade e natureza. Além disso, o reconhecimento das historicidades manifestas em padrões artísticos, contidas em práticas culturais ou representadas nas estruturas morfológicas que formam os espaços paisagísticos favorecem sociabilidades e indicam possibilidades de biofilia essenciais para pensar o planejamento de novas paisagens que se adequem aos diferentes contextos e momentos históricos da sociedade.

No que diz respeito à História do Paisagismo no Brasil, importa destacar que essa reflexão tem um tempo de longa duração que remonta à introdução de padrões de jardins europeus, principalmente modelos inspirados em estilos praticados no século XVIII e XIX na nossa paisagem. São modelos de jardins baseados nas heranças francesas e inglesas. Até então, colocando em perspectiva a história do meio ambiente no Brasil, a natureza era vista basicamente como recurso natural para ser explorado economicamente, sem qualquer preocupação com sua preservação e valorização estética. Logo, a presença de hortos e jardins utilitários em cidades como Belém, Salvador, Recife e Rio de Janeiro, em meados do século XVIII, atestam essa visão. Entretanto, desde a colonização, o ambiente foi um objeto de dominação e de transformação, seja para atender inicialmente aos interesses econômicos dos colonizadores, seja posteriormente, para o estabelecimento de ideais civilizatórios nos quais os jardins, a partir de suas esteticidades e usos, produziam na pasiagem uma ordenação espacial e aliado e isso, atendiam determinados grupos das elites. Assim, cada período histórico deixou marcas distintas no território brasileiro que são fundamentais para entender a história da paisagem e compreender a inserção de jardins nas nossas paisagens.

No século XIX, surgiram os primeiros jardins botânicos, que se tornaram importantes centros de pesquisa científica e de difusão de novas espécies vegetais. A partir daí, a presença de jardins domésticos e públicos se multiplicaram no Brasil, acompanhando por sua vez as transformações urbanas e sociais. É importante destacar a influência de profissionais estrangeiros, como os franceses Auguste François Marie Glaziou e Paul Villon, responsáveis por projetos de jardins públicos em cidades como o Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Já no início do século XX, a modernização do país trouxe novos desafios para o campo do paisagismo, como a necessidade de adaptação às novas lógicas urbanas. Foi nessa época que surgiram nomes de destaque no paisagismo brasileiro, como Roberto Burle Marx. No final do século XX, o paisagismo passou a ser influenciado pelos movimentos ambientalistas, que buscavam uma maior integração entre a natureza e as cidades. A partir dos anos 1980, a preocupação com a sustentabilidade passou a ser uma importante diretriz para a construção de paisagens.

A partir desses marcadores, pensar a cultura paisagística no Brasil é também um sinômino de preservação e valorização do patrimônio cultural do país, uma vez que a mesma se apresenta bastante ameaçada pela urbanização desordenada e pela fragilidade de políticas públicas voltadas para a preservação e a promoção da paisagem.

A disciplina, portanto, dedica-se a pensar os processos de criação dos jardins públicos e privados ao longo do crescimento das principais cidades do Brasil. O conceito stricto sensu de paisagismo, analisado a partir das décadas de 1930 e 1940, será formulado a partir do contexto histórico e de uma perspectiva de viés artístico e cultural, considerando movimentos da arte e da arquitetura e urbanismo que afetaram diretamente a criação de espaços livres na cidade. A discussão dos significados formais, o legado sócio-político e as dimensões simbólicas que caracterizam estilos e padrões estéticos, assim como os aspectos morfológicos tipológicos, serão elementos distintivos da análise do contexto paisagístico referente ao século XX e ao recorte contemporâneo da disciplina.

O PROGRAMA

REFERÊNCIAS

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Publicações Paisagens Híbridas