Pós-orgânicos | Rubens de Andrade
31 de maio a 14 de junho de 2019 | Horário: 09h00 – 19h00
Galeria Benedito Nunes | Fundação Cultural do Pará (Centur)
Av. Gentil Bittencourt, 650 | Belém – Pará | Entrada franca
Sylvia Ribeiro Coutinho
Historiadora da Arte
Outros mundos. Mundos que apresentam um devir não muito distante, em que sobreposições abundantes de camadas de cultura já não permitem contatos com quaisquer vestígios de origens. O locus das imagens da nova série de trabalhos de Rubens Andrade desvia, agora, para uma ambiência constituída por sondagens acerca dessa outra dimensão da cultura atual, permeada por uma imagética misteriosa, resultante de conexões entre o humano e o sobre-humano. Ou seja, o lugar onde o natural e o artificial estão inexoravelmente associados, a atestar a ausência de uma possível crença na pureza de referentes da vida orgânica.
Arte e tecnologia são muitas vezes entendidas como campos opostos. A primeira, geralmente associada ao espontâneo,a criativo e subjetivo, supostamente não tem qualquer proximidade com a segunda, associada, por sua vez, ao racional, anônimo e objetivo. No entanto, na produção artística do século XXI, arte e tecnologia estão cada vez mais próximas, revelando constelações de híbridos por vezes estranhos e imprevisíveis. O meio digital utilizado na concepção dos desenhos desta exposição parece produzir composições suaves e sem peso, formuladas que são por ondas invisíveis, sinais sem fio e códigos abstratos. No entanto, esses sistemas permanecem teimosamente conectados ao mundo físico, apontando para a coexistência desconfortável entre redes inteligentes, alta tecnologia e matéria prima. A tecnologia está sempre atolada pela matéria, gerando fricções e falhas que são exatamente os modos mediante os quais a arte contemporânea usa suas ferramentas, formas e substâncias, elaborando-as enquanto método e meio de produção.
As ciências biológicas alegam que o indivíduo livre é tão somente uma obra ficcional regido por um conjunto de algoritmos bioquímicos. Seres humanos correm, hoje, o risco de perder seu valor porque a inteligência artificial está superando a consciência. Novos tipos de inteligência não conscientes – baseadas em padrões de reconhecimento e algoritmos – são capazes de realizar inúmeras tarefas com muito mais eficácia que humanos, superando-os sem ter que necessariamente passar pelo “estreito da consciência”. Temos então configurada uma nova questão acerca do que realmente importa – a inteligência sem consciência ou a consciência inteligente? Por certo, esta não é uma questão simples, embora para as ciências biológicas a inteligência seja “mandatória” e muito mais eficiente do que a consciência no cumprimento de diversas tarefas essenciais para as sociedades contemporâneas. Entretanto, ainda que um algoritmo possa suplantar o homem nos aspectos técnico, funcional e produtivo, nunca poderão substituir seu toque de humanidade. Talentos humanos ainda são capazes de descobrir, criar e sentir. Pode-se, pois, entender o humanismo como resistência a um mundo no qual os organismos “são algoritmos, e a vida, processamento de dados”, um destino pós-humano, portanto.
Nas obras de Rubens Andrade essas questões e impasses se colocam de um modo singular. Em meio à superabundância de informações visuais constituídas sobretudo por traços rápidos e esferas luminosas, desvela-se a trama de uma região insondável onde predomina a velocidade dos acontecimentos regidos por abstrações que se avizinham das redes do ciberespaço. Trata-se aqui de tentar dar visibilidade a um mundo invisível, do qual apenas sabemos que existe segundo as regras de sistemas de redes em permanente conexão. O modo como essa visibilidade está plasticamente organizada contém uma potência capaz de provocar a sensação de vertigem por meio da articulação de uma espacialidade que, simultaneamente, remete a profundidades assombrosas e, inversamente, delineia um percurso, guiado pela luminosidade dos traços e esferas, que conduz à superfície onde tais elementos espalham-se segundo uma lógica que ainda nos é estranha. E, contudo, essas composições não são puro ruído, mas o esforço de representar artisticamente mudanças de paradigmas provocadas pela lógica da cada vez mais onipresente inteligência destituída de consciência. Semelhante esforço pode ser compreendido como um ato de resistência da consciência que não desiste de “estar no comando”. Não à toa, em todos desenhos aqui apresentados, de modo mais ou menos evidente, encontra-se imagens da figura humana. Ao mesmo tempo em que busca integrar-se a esse outro mundo, parecendo ser ela também um cyborg, percebe-se certo mal estar em seu olhar – uma lufada de melancolia? – acrescido das partes de um corpo desagregado, absorvido por uma vida que corre abstrata e independente de si.
No limite, os trabalhos da presente exposição propõem, junto a elaboradas estratégias artísticas, uma aliança, ainda que provisória, entre os recentes dogmas das ciências e o humanismo, considerando que este abarca não só a consciência, mas igualmente os sentimentos. Maurice Merleau-Ponty entende que sentimentos são eventos afetivos da emoção que provocam uma abertura efetiva, pois o termo emoção tem origem na ideia de moção, comoção e movimento. Sendo assim, tanto a consciência como as emoções são potencialmente capazes de promover certo tipo de conhecimento e percepção transformadores do mundo. Permanece então válida a noção de que a arte, ao realizar-se por meio da percepção sensível e do afeto, bem como pelo exercício da razão, pode ser transformadora, atuando no mundo contemporâneo, entre outros, como espaço de reflexão acerca das ações que podem conduzir a um mundo pós-humano.
RUBENS DE ANDRADE | Paisagista, desenhista, designer gráfico e professor do Curso de História da Arte da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro
CRÉDITOS
Governo do Estado do Pará
Governador | Helder Barbalho
Vice-Governador | Lúcio Vale
Fundação Cultural do Estado do Pará
Presidente | João Marques
Diretor de Interação Cultural | Almir Santos
Galeria Benedito Nunes
Equipe
Eliane Moura | João Paulo do Amaral | Renato Torres
Estágiários
Lua Portugal | Marco Serrão | Rafaela Carneiro
Expografia e Edição
João Paulo do Amaral | Marco Serrão | Renato Torres
Projeto Gráfico (catálogo)
Rubens de Andrade
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