Anacreonte cantou as rosas; Homero divinizou
os jardins de Corfu, de heras verdes e fontes
cristalinas […] Bacon, o grande escritor
inglês, disse nas suas considerações sobre
jardins, que, de todas as doçuras da vida
humana, as mais puras são as sugeridas por eles […]
(ALMEIDA, Julia Lopes de, 1922, p. 9)
A Proposta
A Arqueologia, enquanto ciência, estuda os vestígios humanos operacionalizados pelo conceito de cultura, distribuídos e organizados dentro de um determinado tempo-espaço de longa duração. Ao longo dos anos, a disciplina privilegiou a análise e interpretação de artefatos antigos soterrados, em detrimento daqueles mais recentes presentes na superfície e que em certa medida materializavam-se na paisagem.
Em vista disto, a paisagem histórica, em particular a dos jardins, matriz primeira desse curso, caracteriza-se em parte por elementos bióticos, ao mesmo tempo que, por outro lado, é produtora e produto de uma cultura material e imaterial. De traços efêmeros, o jardim histórico pertence a um passado relativamente recente e, por isso, tensiona as bases epistemológicas da Arqueologia, cujos pressupostos atribuem ao tempo de longa duração um dos componentes relevantes em suas pesquisas. Nesse sentido, os saberes sobre os jardins ou, as análises de camadas resultantes do estabelecimento de culturas paisagísticas antigas ou contemporâneas de distintas sociedades, frequentemente, estão abrigadas no escopo disciplinar dos estudos ligados à área do paisagismo, da arquitetura da paisagem e demais disciplinas correlatas.
Entretanto, o horizonte de debates sobre a paisagem e jardins, seja pelo seu aporte teórico e conceitual ou pelo avanço que tem atingido no campo prático ao longo das últimas décadas e em diferentes áreas de saber, deslocam fronteiras e redesenham esse campo disciplinar demonstrando assim, que um jardim é um objeto passível de ser estudado pela Arqueologia. Ele não é apenas a manifestação da natureza organizada, através dos dispositivos projetuais da arquitetura ou das esteticidades que podem ser lidas e analisadas pela história dos jardins e da arte. O Jardim, como todo e qualquer ambiente cujas características paisagísticas nele se manifestam, reforça uma vontade cultural materializada sobre o espaço-tempo. Neste sentido, não é somente a Natureza, mas é o imbricamento de diferentes esferas socioculturais que se alinham, aproximam ou subtraem aquilo que ela proporciona.
Importa destacar que o jardim oferece muitas possibilidades interpretativas, entretanto, ao iluminar esse conceito a partir do aporte disciplinar da Arqueologia, observa-se que ele surge na história da sociedade como espaço que potencializa o usufruto de inúmeros elementos que se estabelecem nele e geram, tanto para humanos como para não humanos, formas de usos, apropriação e a produção de artefatos. Nele ocorre a prática de diversas atividades socioculturais. Seus usuários, portam e usam diversos e distintos objetos, que através de processos de perda ou descarte podem ser deixados (e reapropriados pela Arqueologia) sobre o solo desnudo e permeável do jardim.
A materialidade manifestada em um espaço onde a natureza ganha forma e conteúdo, seja aquela concebida para fazer parte estruturante do jardim ou aquela depositada involuntariamente no seu interior, guarda múltiplos significados socioculturais, políticos, econômicos e religiosos que por sua vez, forja um sítio que, quando estudado pela Arqueologia permite contar muito mais sobre a história das pessoas e sua época. Os objetos nele depositados ao longo tempo possuem valor enquanto artefato arqueológico e, por isso, trazem questões e revelam eventos histórico que além de oferecer os vestígios que concorreram para a formação do sistema cultural de uma determinada época, auxiliam o entendimento do nosso passado e na construção de um debate patrimonial do que estar por vir.
Esses artefatos exumados em um jardim operam como uma “capsula do tempo”, trazendo-nos informações arqueológicas relevantes que podem confrontar, confirmar ou refutar as fontes históricas tradicionais, mas sobretudo, são fontes que nos permitem recuperar memórias esquecidas e histórias que não são encontradas em livros ou em documentos escritos. São fragmentos de informações encontradas em camadas de solo ricas de significado cultural. A partir dessa abundância cultural de vestígios materiais, jardins são objetos arqueológicos que necessitam ser investigados sob a perspectiva materialista e espacial oferecida pela Arqueologia.
Objetivos
O Grupo de Pesquisa Paisagens Híbridas, através da linha de Pesquisa A cidade com artefato: arqueologia, paisagem e patrimônio –, alinhado ao interesse de compartilhar saberes fruto dos projetos de pesquisas desenvolvidos pelos arqueólogos do grupo, propõe um diálogo aberto para pensar o jardim e a paisagem sob o arco teórico e conceitual da Arqueologia, no interesse de apresentar distintas narrativas e singularidades culturais que mediam suas pesquisas e objetos de estudo.
Vale destacar que o pensar arqueológico quando aplicado aos estudos de jardins históricos oferece outros modos de interpretar a paisagem vinculada especificamente ao contexto da cultura paisagística. A abordagem arqueológica, eminentemente espacial, permite observar, analisar e interpretar a localização, a posição e a ordem de cada artefato do interior do jardim, ou seja, o seu contexto, assim como as relações espaciais desempenhadas por eles. Além disso, a Arqueologia pode também analisar aspectos relacionados a tipologia dos materiais utilizados na construção do sítio, a fonte da matéria-prima, sua constituição física, a técnica e os modos de produção, a circulação comercial ou social, usos e até práticas sociais atribuídas a eles.
Deste modo, o curso justifica-se por oferecer aos interessados nessa temática à amplificação de perspectivas da dimensão material, espacial, temporal e imaterial da cultura. Ao proporcionar interpretações sobre a análise específica da ordem espacial e artefactual na paisagem de jardim. Para que assim seja possível realizar uma leitura da materialidade e da espacialidade oferecida pelos objetos e pelo próprio jardim, sob o ponto de vista da Arqueologia realizada em centros urbanos. Com o propósito de que os estudos de jardim e da cidade, baseado nestes saberes contribuam para o aperfeiçoamento da consciência e a valorização do patrimônio arqueológico.
Diante disso o objetivo do curso é:
Contextualizar e destacar as aproximações possíveis entre o campo disciplinar da Arqueologia e os estudos da paisagem com destaque para os fundamentos que potencializam ganhos teóricos, conceituais e práticos para ações que envolvem a prospecção de sítios arqueológicos de valor paisagísticos, em particular os chamados “jardins históricos”.
Oferecer noções de Arqueologia e da prática arqueológica que envolvem o estudo de jardins. E, com esses instrumentais, demonstrar como o contexto da disciplina pode ser aplicado à observação e análise da sua ordem espacial, mediante a posição assumida por certos artefatos e espaços nos jardins.
Instrumentalizar ou equipar os interessados no curso com noções sobre categorias e conhecimentos espaciais e seus possíveis significados. Tal premissa visa a ampliação de narrativas a respeito da ordem socioespacial da paisagem para que seja possível utilizá-la na interpretação dos jardins e demais espaços paisagísticos
Metodologia do Curso
As sessões de Aula ocorrerão nos dias:
05, 12, 19 e 26 de junho e 03 de Julho 2023, nas terças-feiras, às 19 horas.
Atividades Síncronas (6 horas)
As sessões serão divididas em duas partes: a primeira consiste em preleção com abordagens teórico-conceituais (60 minutos)a segunda estará aberta a diálogos, debates e discussões de texto com os participantes (30 minutos).Totalizando 1 hora e 30 minutos por aula.
A preleção utilizará de narrativas e recursos audiovisuais, cujo objetivo é a interação com o conteúdo programático do curso. As questões voltadas as noções de jardim e Arqueologia, categorias espaciais e seus significados, conceitos teóricos, apresentação e interpretação de estudo de caso sobre jardins serão comtemplados nesta prática pedagógica.
Atividades Assíncronas (4 horas)
Será disponibilizado aos inscritos, através de correio eletrônico, conteúdo digital que complementará as atividades síncronas: textos para leituras dirigidas, endereços eletrônicos material audiovisual (vídeos ou filmes).
Programação do curso
Sessão 1 | 05-06 Arqueologia e jardim: conceitos e abrangência disciplinar | Atividades | |
a) Arqueologia e estudos dos sítios paisagísticos. b) O Jardim como sítio histórico: os dispositivos utilizados para a pesquisa arqueológica. c) Sobre as Cartas Patrimoniais: contribuições para o estudo arqueológico dos jardins. | Assíncrona (1h00) Aula expositiva (1h30) |
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Sessão 2 | 12.06 Arqueologia e jardim/Arqueologia no jardim | ||
a) O jardim como do sítio arqueológico: artefatos, superartefato e narrativas sobre o espaço paisagístico. b) Estudo de Caso I: O Jardim de Willian Paca – possibilidades interpretativas a partir da Arqueologia da Paisagem. | Assíncrona (1h00) Aula expositiva (1h00) Diálogos e discussão sobre os textos (30 min) |
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Sessão 3 | 19.06 Etapas da pesquisa arqueológica e metodologias possíveis: | ||
a) Arqueologia de jardins: tecnologias, métodos de levantamento e análise de sítios paisagísticos. (Jardim Getsêmani) b) Estudo de Caso II: O jardim do Ipiranga/ São Paulo. | Assíncrona (1h00) Aula expositiva (1h00) Diálogos e discussão sobre os textos (30 min) |
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Sessão 4 | 26.06 Intervenção arqueológica em jardins históricos: escopo analítico e metodológico | ||
a) Alguns projetos de intervenção arqueológica em jardins históricos: Jardins das Princesas e o Palácio de Cristal. b) Estudo de Caso III: O jardim da Casa de Rui Barbosa/Rio de Janeiro | Assíncrona (1h00) Aula expositiva (1h00) Diálogos e discussão sobre os textos (30 min) |
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Sessão 5 | 03.07 | ||
Os jardins Públicos como um locus que produz mundos: estudo de caso | ||
a) o jardim como locus arqueológico na produção de paisagens. b) Estudo de Caso IV: O jardim do Passeio Público do Rio de Janeiro. | Assíncrona (1h00) Aula expositiva (1h00) Diálogos e discussão sobre os textos (30 min) |
Informações
Investimento: R$ 300,00
Período de Inscrição:
16 a 26 de maio de 2023
Confirmação da inscrição:
26 a 30 de maio
(O acesso para pagamento on line estará disponível entre 30 de maio a a 02 de junho
O Curso será efetivado com o mínimo de 10 inscritos até o dia 26 de maio.
Serão conferidos Certificados mediante a 75% de frequência
Serão ofertadas 2 bolsas de 50%. Os interessados deverão encaminhar carta de intenção, justificando seu interesse pelo curso e currículo para o e-mail: arqueologiajardinshistoricos@gmail.com até 25 de abril. Os selecionados serão contactados via correio eletrônico.
Inscrições
Email: cursos.paisagenshibridas@gmail.com
https://forms.gle/nZMKLuLeeCQdWDDD6
Referências
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CURY I. (Org.) Carta de Florença, In: Cartas patrimoniais., Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.
LEONE, M. P. Interpreting ideology in historical archaeology: using the rules of perspective in the Willian Paca garden in Annapolis, Maryland, In: MILLER, D.; TILLEY, C. Ideology, Power and Prehistory. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1984. [p. 25-35].
MACEDO, J. Modelos conceituais e análise arqueológica na compreensão da paisagem urbana: a pesquisa arqueológica do Passeio Público do Rio de Janeiro, In: MACEDO, Jackeline de, ANDRADE, Rubens, TERRA, Carlos. Arqueologia na paisagem: novos valores, dilemas e instrumentais. Rio de Janeiro: Rio Book´s, 2012. [p. 140-163].
MARTINS, C.C. O jardim do Passeio Público como um locus que produz mundos, In: TERRA, Carlos; TRINDADE, Jeanne; ANDRADE, Rubens. Leituras Paisagísticas: teoria e práxis. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2019.
MCKEE, L. Social relations and cultural landscape, In: YAMIN, R.; METHENY, K. B. Landscape archaeology: reading and interpreting the american historical landscape. Knoxville: University of Tennessee Press, 1996. [p. 121-146].
______. The Archeology of Rachel´s garden, In: YAMIN, R.; METHENY, K. B., Landscape archaeology: reading and interpreting the american historical landscape. Knoxville: University of Tennessee Press, 1996. [p. 70-90].
METHENY, K. B.; KRATZER, J.; YENTSCH, A. E. Method in Landscape Archaeology: research strategies in a historic New Jersey garden, In: YAMIN, R.; METHENY, K. B. Landscape archaeology: reading and interpreting the american historical landscape. Knoxville: University of Tennessee Press, 1996. [p. 6-31].
SAMPAIO, A. C. O. Passados escondidos sob um jardim: a arqueologia da casa de Rui Barbosa, In: MACEDO, Jackeline de, ANDRADE, Rubens, TERRA, Carlos. Arqueologia na paisagem: novos valores, dilemas e instrumentais, Rio de Janeiro: Rio Book´s, 2012. [p. 124-139].
TUAN, Yi Fu. Espaço arquitetônico e conhecimento, In: Espaço e lugar, São Paulo: Difel, 1983.[p. 113-131].
YENTSCH, A. E. Close attention to place – Landscape studies by historical archaeologists, In: YAMIN, R.; METHENY, K. B., Landscape archaeology: reading and interpreting the american historical landscape. Knoxville: University of Tennessee Press, 1996. [p. 6-31].
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Bacharel em Arqueologia pela UNESA, Licenciatura Plena em História, Especialista em Restauro e Conservação de Bens Patrimoniais Imóveis, Mestra do curso de Pós-Graduação em Geografia, PPGEO/UERJ, Doutoranda em Arqueologia pelo Museu Nacional/PPGARq/UFRJ. Desenvolve pesquisa sobre a forma-jardim como forma simbólica espacial, versando sobre os séculos XVIII, XIX e XX na cidade do Rio de Janeiro/Brasil.
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