Pós-evento | Edição Belém

Nos dias 29 de maio e 6 de junho de 2019, em Belém do Pará, ocorreu o Seminário Paisagem e Gênero: estratégias identitárias e subjetivação de corpos. A proposta gerou importantes discussões e indicou caminhos para futuros projetos com base nos debates propostos acerca do binômio paisagem e gênero, emergindo assim como matriz conceitual entre o mosaico de temas investigados pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas.

O debate foi compartilhado por pesquisadores das áreas de história, antropologia, turismo, bem como artistas, agentes da sociedade civil organizada e alunos de pós-graduação e graduação, de diferentes disciplinas. O evento aconteceu nas dependências da Universidade Federal do Pará a partir de parceria feita entre a Faculdade de Turismo do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (FACTUR/ICSA/UFPA) com a Escola de Belas-Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ).

No primeiro dia, a abertura do evento contou com os professores Eduardo Gomes Diana Alberto (FACTUR/UFPA) e com o professor Rubens Andrade (EBA/UFRJ) e o pesquisador Aldones Nino (GPPH-PPGAV-EBA/UFRJ) dando boas-vindas a todas e todos. A seguir, ocorreram as comunicações de Ana Carolina Magno – com o trabalho MULHER-CASA-CIDADE: um diálogo com a performance Casa em mim: desterro – e de Keila Michelle Monteiro – com o trabalho O feminino e o urbano na Amazônia: mulheres que compõem a cena punk/hardcore em Belém do Pará. As apresentações fomentaram um debate fértil no campo das artes em duas vertentes: através da performance/fotografia e da música; ambas as discussões envolvendo o cotidiano feminino e atravessadas por vivências de um mundo que oprime e, em certa medida, fazendo referência ao contexto patriarcal do qual a mulher ainda se percebe refém. Questões relevantes foram levantadas sobre conteúdos e metodologias utilizadas pelas autoras. Suas fontes primárias, referências teóricas e o contexto epistemológico em que transitaram também ganharam relevo e enriqueceram a Sessão de Comunicações no primeiro dia do Seminário.

Ainda no dia 29 de maio, na sessão da tarde se deu a abertura oficial do evento, com a presença do professor doutor Paulo Pinto, atual diretor adjunto do ICSA (UFPa). A mesa foi ainda composta pelos docentes Diana Alberto (FACTUR/PPHIST/UFPA),  Rubens Andrade e pelo pesquisador Aldones Nino (GPPH-PPGAV-EBA/UFRJ). As palavras de abertura do professor Paulo Pinto destacaram que o tema central do Seminário, além de inovador, trazia um certo frescor para as discussões e questões enfrentadas pelo corpo acadêmico da Faculdade de Turismo, no ICSA, assim como pela UFPa. A proposta, segundo o Diretor Adjunto, viabilizaria formas alternativas de se pensar temáticas relativas à paisagem e ao gênero, aliados a outras perspectivas das quais o campo de turismo também se ocupa.

Os professores coordenadores do Seminário,deixaram em suas falas o registro da satisfação em iniciar este fórum de debates em Belém, na UFPa, destacando a trajetória, ao longo de um ano, para a construção desse projeto com edições em duas capitais importantes do Norte e do Sudeste (Rio de Janeiro) do país. Foi destacada, ainda, a pertinência dos estudos da paisagem e das questões que envolvem o debate sobre gênero; sobretudo considerando o atual estado das coisas em um Brasil que, aparentemente, tem optado em endossar ideias que não se coadunam com uma visão de sociedade que deve valorizar cotidianamente o respeito às individualidades, em especial no campo da sexualidade.

Dando continuidade à programação, realizou-se a Mesa Redonda I – Paisagem e gênero: desvios, subversões e as práticas heteronormativas, mediada pela professora Diana Alberto e composta pelos docentes Cristina Cancela (PPHIST/UFPa), Denise Cardoso (PPGSA/UFPa) e o pesquisador Aldones Nino (GPPH-PPGAV-EBA/UFRJ). Os temas foram apresentados com focos bastante interessantes. Cristina Cancela discutiu a mulher e o espaço públicos e privados, seja a casa ou as ruas da cidade de Belém. Elementos esses que formaram cenários essenciais da vida urbana feminina entre o final do século XIX e o início do século XX, além de tratar das suas vivências nesse universo privado, construindo mosaicos instigantes sobre a paisagem em um período de efetivas mudanças na Belém da Belle époque

Denise Cardoso trouxe, em sua fala, uma reflexão teórica que desenhou arestas que definiram epistemologias que assinalaram, sob o ponto de vista dos estudos de gênero, um debate que ganhou destaque nos estudos atuais sobre a temática, buscando diferentes direções a partir do seu atravessamento por diversas disciplinas das ciências sociais. Finalizando a proposta temática da mesa-redonda, o pesquisador Aldones Nino construiu seu discurso a partir de abordagens relativas à cibercultura, dando ênfase à arte digital e tendo o debate de gênero como norte; artistas contemporâneos do exterior e do Brasil, tais como Leona Vingativa e Berna Reale, foram alinhados para conduzir a discussão. O pesquisador colocou em perspectiva aspectos da cultura queer, associando questões de ordem bioclimáticas e ecológicas a questões de gênero, ao que chamou de ecoqueer. O somatório desses debates não apenas indicou olhares renovados para os temas tratados, como também desenhou percursos através da história, da antropologia e das artes, os quais, a nosso ver, definiram o caráter singular dos termos que dão centralidade ao Seminário Paisagem e Gênero.

Fechando o primeiro dia de discussões, ocorreu o Painel de debate – Corpo, gênero e performatividade: representações e mídias digitais, mediado pelos pesquisadores Aldones Nino (PPGAV-EBA/UFRJ) e Gleidson Gomes (PPGSA/UFPA). Esse espaço de debate trouxe uma discussão ímpar ao Seminário, pois as mídias digitais e as experiências sobre o gênero na cidade de Belém são temas atuais que concentram, em certa medida, um interesse significativo de uma sociedade que, aparentemente, foi sequestrada pelas plataformas digitais e que, nelas, vivencia as mais diferenciadas narrativas que dão conta de uma vida cibercultural na sociedade contemporânea.

O Painel contou com a presença de Rafael Carmo, que deu um depoimento de sua vivência no trabalho desenvolvido em Belém como coordenador da Rede Paraense de Pessoas Trans (REPPA), oferecendo aos presentes contribuições singulares para pensar a cidade e seus espaços e para dialogar tanto com categorias no gênero, como com as pessoas trans. A artista e perita criminal Berna Reale trouxe para a discussão a poética visual de sua arte. Fez considerações sobre a forma e o conteúdo de suas performances e como as concebe. Nos potenciais hibridismos entre paisagem e gênero,Berna demonstrou a intimidade que possui ao lidar com o vocabulário imagético que desponta na cidade contemporânea. A arquitetura da cidade e seus atores sociais são aliados de suas obras; ora protagonizam a cena de suas performances, ora atuam como coadjuvantes num constante devir junto ao seu corpo feminino. O enaltecimento desses cenários urbanos surge como múltiplas matrizes que seguem compondo suas intervenções artísticas.

O segundo dia do evento aconteceu a 6 de junho de 2019, com a Mesa- Redonda II – Espaços de sociabilidades e de exceção na cidade: interseções entre gênero e paisagemEsta mesa, mediada pelo professor Antônio Maurício Costa (PPHIST/UFPA), teve como participantes as professoras Helena Dóris Barbosa e Jéssika França, ambas da FACTUR, que trouxeram experiências de diferentes ordens dentro da atividade turística e o Professor Milton Ribeiro Junior ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

A professora Helena Dóris Barbosa brindou-nos com um enfoque sociológico do turismo, questionando: Para quem é a cidade? A partir dessa questão, a pesquisadora tratou de espaços turísticos que não são somente para o turista, mas para a comunidade local, feita de idosos, jovens em situação de risco social, além de crianças e familiares em tratamento médico na capital, os quais também, de acordo com os estudos que a professora vem desenvolvendo, fazem parte de uma demanda turística interna com potencial a ser utilizado.

A professora Jéssika França, também com um enfoque social, discutiu os espaços de lazer urbanos da cidade, tendo como exemplo o Projeto Orla Portal da Amazônia. A partir dessa premissa, refutou a utilização desse espaço e a forma como o mesmo foi “criado”. Nesse debate foi assinalado como a desterritorialização de tecidos familiares se deu, simultaneamente, à ideia de qualificação urbana, utilizada como jargão em reformas propostas por gestores públicos como a conhecida “abertura de janelas com vistas para o rio”. Tal ideia possui um viés relacionado ao estabelecimento de atividades turísticas, mas sabe-se, de antemão, que a inclusão das classes sociais carentes está incluída no escopo desses projetos.

Encerrando a sessão, o professor Milton Ribeiro Junior apresentou a pesquisa A Festa da Chiquita, manifestação que congrega experiências no campo LGBTI+ outras categorias. Vale destacar que o evento em questão está inserido em uma das festas religiosas mais populares do estado do Pará, o Círio de Nazaré. Milton discorreu acerca da trajetória da festa e as transformações e embates que vem sofrendo ao longo dos anos para se manter como patrimônio cultural na cidade.

Todas as falas contemplaram a temática da mesa e geraram discussões relevantes sobre patrimônio e as relações socioespaciais, especificamente no âmbito da cidade de Belém. De acordo com o mediador, professor Mauricio Costa, o conjunto de narrativas reuniu, de forma interessante, temas relativos aos lugares e às percepções que a sociedade possui deles, sejam eles pontos turísticos da cidade, áreas de orla e o próprio lócus onde se dá a Festa das Filhas da Chiquita, a praça da República. As apresentações congregaram dispositivos teóricos e um elenco de conceitos que ampliaram e enriqueceram as discussões no Seminário.

O encerramento do Seminário foi marcado pela conferência do professor Agenor Sarraf (PPHIST/UFPA), com o tema O saber da arte feminina na paisagem marajoara.  O pesquisador fez uma abordagem etnográfica de duas mulheres do arquipélago do Marajó, que expõem suas manifestações artísticas através da literatura e da pintura que produzem: Silvia Helena Tocantins (1923-2016), escritora, e Maria Necy Balieiro (1957), artista plástica. As subjetividades que essas duas mulheres desenvolveram dão prova de suas vocações e da força criadora que encontraram nesse cenário amazônico. O aparato teórico utilizado pelo conferencista foi conduzido por autores ligados aos estudos culturais, como Stuart Halle decoloniais, como Gayatri Spivaky.

A coordenadora da edição do Seminário em Belém, professora Diana Alberto, junto ao professor Gleidson Gomes (PPGSA/UFPA), encerraram a primeira etapa desse projeto agradecendo aos presentes e ressaltando a importância das discussões realizadas. Todas as narrativas colocadas ao longo dos dois dias do evento apontaram para a relevância do tema e para a necessidade de ir além e aprofundar sua discussão.

Nossa próxima parada é a cidade do Rio de Janeiro, onde, nos dias 12 e 13 de novembro de 2019, estaremos reunidos na Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, junto a outros sujeitos, para dar continuidade a esse projeto. Até lá!

Diana Alberto e Gleidson W. Bezerra Gomes

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